Brasil: Que país é esse?
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) acaba de lançar o relatório parcial sobre as características da sociedade brasileira em 2010.
Estes dados nos mostrarão se a lógica de modernização via progresso tecnológico, como sinônimo de desenvolvimento, proporcionou a uma parte expressiva da população brasileira um modelo de desenvolvimento com qualidade de vida garantida, conforme o artigo 5º da constituição que “valida” os direitos sociais do povo brasileiro.
A população brasileira e sua composição
Segundo o IBGE, a população brasileira em 2010 é de quase 191 milhões. Deste total, pouco mais de 42% estão no Sudeste, quase 28% no Nordeste, 14,4% no Sul, 8,3% no Norte e 7,4% no Centro-Oeste.
Isto nos dá base para refletir tanto sobre o desigual processo de desenvolvimento capitalista industrial brasileiro, centrado nas Regiões Sudeste e Sul, quanto do permanente fluxo migratório brasileiro.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2003 a 2008 mais ou menos três milhões de brasileiros deixaram seu estado de origem. Estes migrantes são, em sua maioria, jovens entre 18 e 29 anos.
As maiores ondas de migração são do Nordeste para o Sudeste e dentro do Sudeste. Enquanto apenas 6,1% dos migrantes nordestinos apresentam 12 anos ou mais de escolaridade, entre os migrantes dentro da Região Sudeste este número vai para 23%.
Isto evidenciará uma defasagem salarial e uma tendência à informalidade maior no caso dos migrantes do Nordeste para o Sudeste, em comparação à maior inserção salarial formal de parte dos migrantes dentro do Sudeste.
População por sexo, idade e taxa de fecundidade
No Brasil, enquanto as mulheres representam 51,1% da população (97.342.162), os homens somam 48,9% (93.390.532).
Isto significa dizer que existem 3,9 milhões a mais de mulheres no Brasil em relação aos homens.
Enquanto as mulheres receberão menores salários, mesmo com mais tempo de escolaridade e a continuidade nas tarefas “ditas femininas”, os homens encontrarão uma situação contrária: melhores salários, menos tempo na escola, grande poder patriarcal.
Ao mesmo tempo, homens e mulheres têm reduzido o número de integrantes familiares. A questão da fecundidade passa por uma reflexão profunda sobre a correta decisão da mulher de ter, ou não, um filho.
Nos anos 50, a taxa de fecundidade média era de 3% ao ano. Em 2010, esta taxa é de 1.17%. Se antes nossas famílias eram majoritariamente compostas por seis ou sete integrantes, agora possui dois, no máximo três.
O reflexo disto é a diminuição do número de crianças até quatro anos, em contraposição ao aumento de pessoas com 65 para cima. Nos anos 90, o número de crianças de zero a quatro anos era de 11,2% do total e a população com 65 anos ou mais, era de 4,8%. Em 2010 o grupo até quatro anos corresponde a 7,3%, enquanto o de 65 anos ou mais, 7,4%.
Aqui cabem dois debates centrais:
A nova composição das famílias brasileiras, com cada vez menor número de integrantes;
A mudança da pirâmide etária do Brasil, que nos próximos anos indicará um maior número de adultos e idosos.
O envelhecimento da população brasileira, somado à concentração da população nos perímetros urbanos e à precarização real das condições de vida da classe trabalhadora, relatam a quem este modelo de desenvolvimento capitalista favoreceu.
Um modelo centrado no avanço das forças produtivas, com supremacia para a técnica e com a progressiva retirada do Estado como regulador e promotor do bem estar social, expressa no século XXI as particularidades históricas desta aposta: um desenvolvimento desigual e combinado em que a classe que vive do trabalho, sobrevive em condições cada vez mais bárbaras de relações sociais e de produção própria de vida.
Nos próximos textos trabalharemos as questões: campo-cidade, salários e poder de compra real; desigualdades geracionais-raciais-gênero; e, por fim, o crédito e o endividamento familiar no Brasil.
Uma das características marcantes do modo de produção capitalista é a necessidade de criar mecanismos de conformação e manutenção de poder. Entre eles está a divisão social e internacional do trabalho e a lógica de funcionamento que provoca mutações para que os órgãos vitais apareçam e se desenvolvam como não vitais.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), dos 190.732.694 milhões de brasileiros, o campo é composto por 29.852.986 (13,5%) e as cidades por 160.879.708 (84,5%).
Mas a lógica de separação formal entre o campo e a cidade não é tão real assim.
Migrações forçadas pelo mundo do trabalho
A história das migrações no interior da nação e para o exterior tem relação direta com a história da concentração de terra e da superexploração dos trabalhadores do campo.
Isto evidencia a tragédia acentuada da questão da educação, saúde, transporte, habitação para estas populações. Também relata a forma periférica como o Estado brasileiro destina seus recursos à parte expressiva da população do campo e da cidade.
A fragmentação e a lógica padronizada de ação periférica para as maiorias populacionais revelam uma estratégia de poder sobre a produção em que o grande capital assume a condução do processo em qualquer espaço do território que lhe interesse, seja por coerção das forças populares e/ou consenso parlamentar.
Dos 5.2 milhões de estabelecimentos no campo – enquanto o latifúndio – com mais de 1 mil hectares, fica com 43% do território produtivo do país e soma apenas 1% do total de proprietários. A pequena propriedade corresponde a 85% dos estabelecimentos e produz numa área de 24% do total.
Este Brasil do grande capital expressa a falácia de uma história de poder que relega o popular aos limites da existência humana e que impossibilita a pertença no campo e nas periferias da cidade para parte expressiva de sua população.
Segundo o jornal Valor Econômico, as cinco principais commodities do Brasil – minério de ferro, petróleo bruto, complexo da soja, açúcar e complexo de carnes – foram responsáveis por 43% das exportações do país.
Já os pequenos produtores cumprem com a humana tarefa de produzir alimentos – 87% da mandioca, 70% do feijão e 34% do arroz – em condições severas ditadas pelo grande capital em sua aliança com o Estado.
Os grandes debates sobre as políticas públicas devem ser feitos com base na contradição capital- trabalho, em especial as consequências das privatizações da terra, da água e das sementes.
Essa lógica dominante tem feito com que parte expressiva dos produtores de alimentos se veja enroscada nessa cadeia desumana de trabalhar para sobreviver, sem tempo para pensar e atuar de forma distinta da aprisionada.
O campesinato: a classe e seu projeto
Dentro da ordem, o campesinato enquanto classe assume seu projeto de vida e luta por direitos constitucionais que permita a classe trabalhadora consolidar uma vida com dignidade para o campo e para a cidade.
Fora da ordem, o campesinato trabalha para consolidar um projeto de sociedade com base em um plano em que o camponês seja o centro de irradiação do desenvolvimento, cuja relação com a terra não é a da troca utilitária mercantil, mas de convivência recíproca e respeitosa.
Um dos grandes desafios do campesinato tem a ver com a reafirmação no território e do enraizamento dos jovens no campo.
Para isto, são necessárias políticas públicas que garantam as possibilidades de realização de uma vida digna e plena de direitos no campo. Educação, saúde, transporte, moradia, crédito e venda dos seus produtos numa outra lógica de estímulo à produção e circulação das mercadorias, tendo o humano como centro.
O campo e a cidade juntos conformam a classe trabalhadora brasileira. Parte expressiva desta classe tem sido relegada a uma política pública periférica, frente à centralidade dos gastos do Estado com o grande capital.
A história da dominação no Brasil encontra no capitalismo uma forma superior de apropriação da riqueza por poucos sujeitos e de produção de riqueza pela maioria da população que não consegue sobreviver do fruto de seu trabalho.
A ruptura só ocorrerá através da organização popular unificada entre campo-cidade, cuja irradiação de poder institua uma aliança dos que vivem do trabalho e lutam por se realizar em dita produção.
É necessário que o organismo vivo se levante e assuma com consciência seu papel vital no jogo das contradições. E reforce a necessidade de construção de uma história de poder popular que faça tremer as matérias políticas e econômicas inorgânicas.
A Via Campesina é um organismo vivo em movimento. Aliada às lutas da cidade, agita um vulcão a entrar em erupção. Esse vulcão é a classe que vive do trabalho e que precisa romper com as amarras (in)formais que a escravizam na lógica fragmentada da dominação.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ ES.
Eis um bom texto a ser debatido dentro das salas de aula nas universidades brasileiras.
ResponderExcluirJ.D.